Tuesday, April 18, 2006


Firmamento
(Parte 1 de 6)


Pouco antes de adormecer, a cor do céu ficou sem brilho.
Perdeu sem motivo, aquela luz ao longe que resguarda em fé um suspiro no silêncio.
Ergui-me apressadamente, confuso e incerto do que se tinha passado.
Na certeza, procurei uma razão para tal metamorfose, que explicasse porque a paz deu lugar ao negrume – ensinado pelo antigamente das histórias pequenas.
Todavia, cedo apreendi, que tal por mim vislumbrado não carece de motivo para existir, e mesmo antes desta estranha hipnose consumir por fim este novo olhar, o céu tomou novamente a sua aurora prateada para me esgazear sem motivo aparente.
Desta vez não resisti à dúvida e aceitei o que se me apresentava como seguro – pois, guindando calmamente o mistério para lá da inquietação – observei sonâmbulo o céu a aproximar-se a pouco e pouco da terra – como se de uma metáfora poética se tratasse – mas sendo verdadeiramente a graça da realidade.
Esperei perplexo que este fenómeno – origem de génios que em cerros de teorias e discussões se eternizavam – a mim apenas pertencesse; honrando todos os outros com o olhar da manhã, suspenso no triste monte da Europa… mas tal caiu por terra, quando também por terra caíram dúzias de pequenos troncos colados entre folhas e ramos, cobrindo os telhados desta vila, de pomos e outras frutas proibidas…
Teria a música do vento arrastado uma chuva de frágeis pernadas dos longínquos vales litorais até esta vila dos remotos?
A dúvida tranquilizou-me mais que a resposta… mas nenhuma delas impediu o céu de se aproximar um pouco mais da minha consciência preocupada.
No dia seguinte, que para a maioria começou quatro horas depois da minha inexplicável descoberta, poucos se aperceberam deste fenómeno, tamanho o afazer que os preocupava em não levantarem os olhos dos seus propósitos de existência. Mas a pouco e pouco – como que um drama apressando o seu fim – alguns, aqui e ali, notaram algo de diferente na sua pequena cidade. As colheitas tão castamente zeladas pelo talento de homens simples, viram no súbito cair de regras e frutos verdes antes de época, uma resposta natural para o estranho fenómeno invisível à claridade.
Imediatamente, turbas de anciões da razão postularam novas éticas, jurando pelos há muito sepultados, que a Natureza tem destas coisas…
Que a culpa de tais erros extremava sobre os ombros da juventude, por ilusões de um futuro incorrectamente pernicioso – devassado por desejos de conquista e domínio – contrários à essência do temperamento.
Roucos timbres navegando pelo vagar, irromperam assim terríveis sátiras copuladas a esses seres vindouros – uma ode ao desperdício – daqueles que namoriscando a vida com normalidade, apenas procuram o ensejo da demanda…
Mas esses expirares de poemas – impermeáveis às críticas moucas da cobiça – não travaram o encolher do sol – procurando esse agora, pequenas fendas nas alturas, para irromper como luz matinal…
E não travou igualmente, o que agora se tornava claro e evidente para todos: que as árvores – parecendo cera – cresciam pelos céus, ganhando raízes onde outrora existiam troncos – e estas – educando o firmamento, inclinavam-no sobre a terra…

Cont.

1 comment:

Fauno said...

Curioso,perto do fim lembrou-me uma outra lenda, criada entre amigos perante a pura necessidade do original... a lenda de um mundo feito de arte, e dos fragmentos de pensamento humano que lhe dão origem... um mundo onde uma árvore muito velha e doente subitamente começara a tapar de raizes o céu, uma árvore sem folhas, só raizes na terra e no céu, e um grosso tronco entre ambos...