Thursday, April 20, 2006


Escanibabi
Ou
Uma viagem em direcção à Importância

Capítulo I

“Embarque forçado”

Do interior da obscuridade, o rapaz acordou um pouco desorientado, agarrando-se com afinco a uma dor de cabeça atordoante que o fez inclinar levemente o torso para a esquerda.
Após a dor se disfarçar de pulsação natural, este examinou entre olhos franzidos o espaço que o rodeava com cuidado – todavia, não conseguindo reconhecer nada do que via no minúsculo recinto em que acordou.
Antes de se levantar, um leve bater na única porta deste pequeno cubículo tocou a sua atenção como instinto. Segundos depois, um outro mais forte se seguiu anexo a um papel introduzido no friso inferior da porta, ao qual o rapaz se inclinou para ler, mantendo essa mesma posição.
Era um envelope selado por uma companhia de comboios, com um menu de jantar no seu interior, com diversos pratos e bebidas sobre o qual se podia assinalar em pequenos rectângulos a escolha desejada. Nenhum dos pratos tinha preço, e no fim vinha assinalado a azul a hora do jantar como 20h45, o destino como carruagem 2, e o número 19 como número de passageiro.
Mesmo antes do óbvio se insinuar no seu cérebro, o pequeno espaço abanou algumas vezes para trás e para a frente, após uma forte batida para trás.
Imediatamente o jovem afastou a cortina de uma das janelas da área, abrindo-a em sobressalto para o que aparentava ser uma gare ferroviária. Estava sem dúvida no interior de um comboio, de uma carruagem que mais parecia um estúdio ou um pequeno quarto.
Precipitou-se inconscientemente para a porta – tentando perceber o que se passava, e porque não se lembrava de nada – mas esta encontrava-se fechada.
Olhou rapidamente à sua volta, tentando encontrar a chave, mas nada do que via aparentava qualquer parecença com tal objecto; espreitou também pelo buraco da fechadura, esperando que a chave estivesse colocada do outro lado, mas nada… por esta apenas se via um tecido avermelhado – talvez veludo – firmemente agarrado e esticado no que parecia ser a parede de um longo corredor.
Voltou então a depositar a sua atenção para o compartimento, de onde do seu centro sentiu um estranho conforto, como se tudo nele lhe fosse um pouco familiar.
O compartimento era pequeno, 4 metros por 7, decorado por sons e cheiros muito para além da obrigatória mobília impecavelmente arrumada e limpa destes ambientes.
À esquerda, uma cama rente ao chão com espaço para quase duas pessoas reduzia a área do quarto, de tal modo, que uma pequena mesa de convívio quase se via obrigada a esconder – por detrás de um banco de bar – envergonhada num canto perto da janela. A janela, essa, era larga… iluminando o espaço bem para lá da natural exposição da sua luz, tocando quase todos os objectos com igual imparcialidade.
À direita encontrava-se uma longuíssima estante de manuscritos e volumes antigos – estes muito familiares – que para além de atribuírem ao local um aspecto sensivelmente austero, também reflectiam a luz para uma escrivaninha de investigação cuidadosamente trabalhada pelo requinte. Uma cadeira de madeira rotativa completava esta parte do estúdio.
Um pouco mais para a esquerda, uma minúscula porta abria o espaço desta divisão para um outro cubículo rectangular onde se encontravam as respectivas instalações sanitárias, completas com lavatório e um chuveiro, opostos a uma ventana selada, ligeiramente mais pequena que a outra janela.
Confuso, o rapaz cessou a sua infrutífera pesquisa deste espaço, desiludido por não conseguir descobrir nada que se pudesse sequer confundir com uma pista.
Nesse momento, duas sirenes anunciaram estrondosamente o começo da marcha do comboio… primeiro suavemente e depois tocado pelo ímpeto do carvão misturado com a lenha…
Esse solavanco fez cair um livro da estante, que se abriu no chão… por triste ironia, evidenciando um capítulo de auto-ajuda denominado: Como aprender através da inércia – Impedir que essas ligações que tornam as perguntas, respostas e as respostas, perguntas - se formem…

1 comment:

Fauno said...

Brilhante... muito ao estilo da shortstory britanica... acredito que existe deveras aqui, neste pequeno conto, reminescências de um passado viajante...ao qual tens de voltar...e abandonar essa inércia a que te devotaste... acorda rapaz, que os comboios do mundo param numa estação perto de ti, e vão a lugares que não alcaçam os tambem poderosos comboios da mente...