O Brilho do Bronze
(Um Conto de Caronte)
Por um instante, desencontrámo-nos. Em relance olhei para o seu espírito, e senti um ódio tal que sem desprezo não o poderia ignorar...
Aquele que há doze mil anos – que ao infinito pouco deve – destruiu o sonho do meu inconsciente, a minha... o que em mim ainda era lúcido.
Eu fui Hipnos e ele Tânatos... gémeos no Elísio... antes do seu perturbar incessante...
Respirava morte, noite e horror. Berrava de dor, conquistas e planos até ao vigésimo primeiro dia de Agosto... o seu dia de glória...
Falava e replicava sobre a amizade, a velhice, a loucura e o escárnio dias a fio, perturbando constantemente o meu sono e descanso... do qual a Humanidade suga o que necessita para resistir, e sobrevive mais um instante, ao impossível dos dias...
Um eco incessante nas paredes do meu crânio, um calor debaixo das unhas, comendo os lençóis em sulcos e rios secos sob o meu corpo exausto.
Resisti à sua opereta monocórdica Primaveras... Invernos dissertando sufismos retóricos sobre a miséria, o esquecimento, o erro, a ética...
Perdoei os seus desvarios quando insultou Kera como uma sodomita... uma doida...
...a minha filha, que em memória amo mais que a consciência permite escrever ou pensar...
Insultou todos... a luz, a discórdia, o dia e a tarde, sem ironia ou simpatia, como inúteis caminhos da alma humana... os meus irmãos, todos eles... humilhados...
...Até que um dia, ao acordar subitamente... destruí o seu palpitar com a verdade...
“Somos todos irmãos, e tu és apenas o fim de um caminho sem respostas.” – sussurrei-lhe na ausência de veias do seu decrépito pescoço, enquanto lhe sufocava a vontade de falar...
“As tuas dúvidas não são filosofias, mas invejas e ruínas...” – e imediatamente, e em loucura, obliterei a sua existência no éter, criando na Terra – anos e meses depois – um exército desequilibrado de velhos e doentes empoleirando-se desesperados para as suas campas e cemitérios vazios...
Os deuses não pouparam o castigo do meu erro, mas felizmente, conseguiram emendar a loucura do meu excesso, ressuscitando a sua presença em troca do meu eterno perdão e da sua memória inerte...: aceitei...
...pois, para além de ser meu irmão gémeo, amava-o nos seus melhores momentos com um sorriso.
Renasceu então, sem memória do seu amado dia, em que outrora todos os homens morriam um a um... passando essa decisão a Tyche – minha prima afastada e contingente – deusa do acaso...
...Este acto, aliviou assim, e por fim... todo o peso e trabalho que Caronte fazia num dia, passado este a ocupar o longo de todo um ano mortal.
Todavia, este alívio não agradou ao triste barqueiro, que ainda apaixonado por Pandora, a contemplava todo o ano, menos um dia... e agora, ao ver-se impedido de o fazer, decidiu por vingança, transformar uma simples esmola, num vergonhoso imposto...
...E assim nasceu, o obolus maximus... a moeda que destrói o pecado...
Aquele que há doze mil anos – que ao infinito pouco deve – destruiu o sonho do meu inconsciente, a minha... o que em mim ainda era lúcido.
Eu fui Hipnos e ele Tânatos... gémeos no Elísio... antes do seu perturbar incessante...
Respirava morte, noite e horror. Berrava de dor, conquistas e planos até ao vigésimo primeiro dia de Agosto... o seu dia de glória...
Falava e replicava sobre a amizade, a velhice, a loucura e o escárnio dias a fio, perturbando constantemente o meu sono e descanso... do qual a Humanidade suga o que necessita para resistir, e sobrevive mais um instante, ao impossível dos dias...
Um eco incessante nas paredes do meu crânio, um calor debaixo das unhas, comendo os lençóis em sulcos e rios secos sob o meu corpo exausto.
Resisti à sua opereta monocórdica Primaveras... Invernos dissertando sufismos retóricos sobre a miséria, o esquecimento, o erro, a ética...
Perdoei os seus desvarios quando insultou Kera como uma sodomita... uma doida...
...a minha filha, que em memória amo mais que a consciência permite escrever ou pensar...
Insultou todos... a luz, a discórdia, o dia e a tarde, sem ironia ou simpatia, como inúteis caminhos da alma humana... os meus irmãos, todos eles... humilhados...
...Até que um dia, ao acordar subitamente... destruí o seu palpitar com a verdade...
“Somos todos irmãos, e tu és apenas o fim de um caminho sem respostas.” – sussurrei-lhe na ausência de veias do seu decrépito pescoço, enquanto lhe sufocava a vontade de falar...
“As tuas dúvidas não são filosofias, mas invejas e ruínas...” – e imediatamente, e em loucura, obliterei a sua existência no éter, criando na Terra – anos e meses depois – um exército desequilibrado de velhos e doentes empoleirando-se desesperados para as suas campas e cemitérios vazios...
Os deuses não pouparam o castigo do meu erro, mas felizmente, conseguiram emendar a loucura do meu excesso, ressuscitando a sua presença em troca do meu eterno perdão e da sua memória inerte...: aceitei...
...pois, para além de ser meu irmão gémeo, amava-o nos seus melhores momentos com um sorriso.
Renasceu então, sem memória do seu amado dia, em que outrora todos os homens morriam um a um... passando essa decisão a Tyche – minha prima afastada e contingente – deusa do acaso...
...Este acto, aliviou assim, e por fim... todo o peso e trabalho que Caronte fazia num dia, passado este a ocupar o longo de todo um ano mortal.
Todavia, este alívio não agradou ao triste barqueiro, que ainda apaixonado por Pandora, a contemplava todo o ano, menos um dia... e agora, ao ver-se impedido de o fazer, decidiu por vingança, transformar uma simples esmola, num vergonhoso imposto...
...E assim nasceu, o obolus maximus... a moeda que destrói o pecado...